A História do
Sítio Meu Sossego
O Sítio Meu Sossego, localizado a margem do rio Paracauari na cidade de Soure, foi comprado em 1898 por João Baptista Pereira Penna, um grande fazendeiro da ilha do Marajó. Na época da compra, o sítio se chamava São José do Caldeirão, que incluía além das terras com cerca de 6 hectares, uma pequena casa velha. Em 1906, já batizado de Meu-Sossego, seu João Baptista construiu um casarão de 3 andares, uma obra arrojada e única na época, tendo grande parte de seu material importado da Europa, para uso recreativo da família Penna e também para recepção e hospedagem de amigos e autoridades, como o Governador do Pará, Lauro Sodré que costumava passar férias no sítio.
Seu João Baptista foi casado com Joana de Lyra Tocantins Penna e tiveram seis filhos: Leandro, Ignês, Juanita, Violeta, Antônio e João Tocantins Penna. O filho mais velho Leandro, casou com Isa Penna, e tiveram 4 filhos: Leandro Júnior, Roberto, Geraldo e Anna Maria Tocantins Penna.
Em 1932, o filho mais velho de seu João, Leandro, construiu um outro casarão de dois andares, também imponente, bem ao lado do casarão já existente, e o chamou de república, para utilizar com sua família e também para hospedagem de amigos. Também construiu ao fundo do casarão maior, um anexo com uma cozinha e dois quartos de empregados, e na frente, um chalé de visitas.
Primeiro casarão, construído em 1906.
Uma obra arrojada e única na época.
Casarão totalmente reformado no início de 2023.
Quando os casarões foram construídos não existia nada parecido no Marajó em termos de construção, devido já contar com luz elétrica, água encanada, um cata-vento bombeando água para os casarões, além de boa parte do material utilizado na construção ter sido importado da Europa. Um destaque foi a construção de um elevador no casarão maior, puxado por corda de sisal em um sistema de roldana, para atender seu João que tinha problemas de mobilidade. Segundo relatos, o elevador era puxado por escravos.
Elevador com sistema de roldanas e corda de sisal, que
segundo relatos era puxado por escravos.
Além da construção, o sítio contava com várias lanchas e charretes de todo tamanho, inclusive uma de seis lugares chamada Tono, importada da França (uma igual está exposta no Museu Imperial de Petrópolis, utilizada pela família Real).
O sítio Meu-Sossego era todo subdividido, com área limitada para os cavalos de raça utilizados nas charretes, um plantel de vacas leiteiras holandesas, um bosque de 16 bacurizeiros seculares localizados a margem do rio, mais de 40 pés de mangueiras, sapotilheiras, abieiros, e outras frutas da região. O destaque eram as palmeiras imperiais localizadas na frente dos casarões, que foram plantadas propositalmente em épocas diferentes, formando um leque depois de crescidas.
O casarão de três andares, era muito luxuoso, com móveis de madeira nobre, louças, cristais e talheres importados, cortinas de veludo, piano de calda e arpas, onde grandes festas e jantares eram realizados para família, amigos e autoridades.
Quando seu João morreu, os seis filhos herdaram o casarão, e muitos preferiram não mais utilizá-lo e acabaram vendendo suas partes para a família de Leandro, que juntamente com os filhos tornaram-se os únicos donos do sítio.
A estrutura original foi preservada, desde o piso francês aos icônicos janelões.
Em 1958, Leandro e sua família se mudaram para Petrópolis, deixando o sítio aos cuidados de um caseiro, que se ausentava por semanas e não cuidava de sua manutenção. Com o passar do tempo, várias tentativas de outros caseiros e arrendamentos foram feitas sem sucesso. O sítio foi sendo saqueado, calhas de cobre roubadas, móveis, louças e utensílios desapareceram, o telhado sem manutenção com goteiras, onde a água da chuva passou a penetrar e consequentemente estragar internamente o casarão maior. O casarão menor, como foi construído quase 30 anos depois, sofreu menos com a falta de manutenção, principalmente porque o telhado resistiu ao tempo. Com o passar dos anos os casarões foram totalmente abandonados, mantendo-se apenas um caseiro para tomar conta do terreno.
A importância do sítio Meu-Sossego e a imponência de seus casarões, deram origem a várias lendas, inclusive fazendo parte do ensino curricular de literatura das escolas primárias de Soure.
Dentre elas destacamos a lenda da “Cobra Grande” que surgiu devido aos rebujos das águas do rio Paracauari, que acontecem exatamente na curva do rio, onde fica localizado o sítio. Esses rebujos são redemoinhos que se formam pela forte correnteza quando encontra as pedras do fundo do rio, emitindo sons e movendo-se por dezenas de metros. Segundo a lenda, esses barulhos seriam o suspiro da cobra grande quando vinha à superfície para respirar. A cobra era tão grande que sua cabeça ficava no sítio e a extremidade de seu rabo embaixo da catedral no centro da cidade, e o dia em que saísse de baixo da terra, a cidade inteira de Soure seria dragada para dentro de seu buraco.
Outra lenda criada foi a “Mulher de Branco”, onde sua origem se deve a uma francesa, moradora de Soure, que tarde da noite voltando do sítio, teve problemas na roda de sua charrete, justamente quando passava na frente do cemitério da cidade. Sem alternativa, teve que caminhar até sua casa. Como estava de vestido longo e branco, seria uma alma penada saindo do cemitério, numa noite de luar, para assustar as pessoas na cidade.
De tão enraizadas na cultura Marajoara, essas lendas foram contadas no espetáculo teatral “Os Encantados do Sossego”, estrelado pela atriz Fernanda Thurann e dirigido por Monique Sobral de Boutevilles, que também assinou a dramaturgia ao lado de Edyr Augusto. A montagem teve sua estreia em maio de 2022 e passou pelas cidades de Belém, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. A trama explora lendas e mitos amazônicos ao acompanhar a história de Joana, uma mulher que vive na “Casa do Sossego”, na ilha do Marajó, na foz do rio Amazonas. Ela embarca em suas lembranças mais antigas para desvendar os mistérios que rondam sua família, e se depara com eventos extraordinários – ora trágicos, ora fantásticos – que pairam sobre aquele núcleo, depois que a família decidiu morar em terras Marajoaras.
No andar superior, o piso em madeiras de lei dá toques de beleza e aconchego ao ambiente.
No ano de 2022, os engenheiros Mauro Porpino e seu sogro Williams Faraco, estavam em Soure a passeio, e conheceram o famoso sítio Meu-Sossego através de um guia local. Quando adentraram o sítio, já em estado de total abandono, a beleza do lugar foi tão impactante que pensaram “Por que não recuperar essa maravilha abandonada? ”. E assim foi feito, depois de meses de negociação, adquiriram parte do sítio, e em setembro de 2022 deram início a sua recuperação. A primeira fase ficou pronta em março de 2023 e conta com a restauração original de um dos casarões, a construção de uma área gourmet externa, um trapiche, tratamento das árvores e uma cerca nova delimitando a área adquirida.
O sítio Meu-Sossego agora está disponível para aluguel de grupos de pessoas que desejam conhecer o Marajó e desfrutar de sua incrível natureza. A localização do sítio é considerada a mais bonita de Soure, que além dos casarões históricos, fica exatamente na curva do rio, inspiração de tantos escritores em suas obras, como Dee Brown em “Enterrem meu coração na curva do rio”, transformado em filme pela HBO e Ernest Hemingway em “Do outro lado do rio entre as árvores”.